domingo, 31 de janeiro de 2021

[ENTREVISTA] : Paulo Silva (a.k.a Nitrofurano)

São poucos os nomes em Portugal que tiveram uma participação activa no universo MSX. Paulo Silva, mais conhecido na comunidade por Nitrofurano, é um desses nomes por isso decidimos conversar com ele sobre o seu interesse por este computador.

A primeira pergunta é inevitável. Conta-nos um pouco sobre ti.
Não sei se há muito para se contar, sou um luso-brasileiro (nascido cá em Portugal e com muitas raízes no Brasil), com algum ligeiro percurso no design gráfico, e entusiasta da cena retro e do software livre.

Quando tiveste o primeiro contato com os computadores?
Foi no começo dos anos 80, quando eu vivia em Belo Horizonte (Minas Gerais, Brasil) - na altura, minha vizinhança abriram algumas lojas de computadores, que vendiam clones de Apple-II, TRS-80 (CP/M) e Sinclair ZX-81 fabricados no Brasil (eram os únicos à venda por causa da lei da reserva de mercado, que por um lado incentivava a indústria nacional brasileira, mas por outro triplicava o valor dos computadores importados, e isto sem falarmos dos contrabandos via Paraguai...), e como um rapazinho de 10 anos muito curioso, eu estava sempre por lá a "chateá-los"! :D (até acho que fazia jeito a eles, haver curiosos em lojas de computadores naquela época parecia funcionar bem como "marketing"! :D )

E quando foi a primeira vez que mexeste num MSX?
Era um de um primo meu, até conhecido na cena retro MSX brasileira, Renato Murta. Na altura acho que já tinha um ZX-Spectrum (um clone, TK-90X), e meses depois acabei por adquirir um MSX também. Como ele já percebia bem mais de programação que eu, aprendi imenso com ele, e sempre trocávamos bastante ideias sobre programação, principalmente na época que eu ainda vivia no Brasil.

E quais foram os jogos da altura que gostavas mais de jogar ou que te marcaram?
De MSX? se calhar o primeiro que joguei, Majou Densetsu (o primeiro). Impressionava-me imenso um shoot-em-up daqueles ter sido um exclusivo para MSX, quando Twin Bee, da mesma época, tinha sido lançado para tantas plataformas. Seguem-se todos os outros da Konami, claro! :D - dos "não-Konami" se calhar eu destacaria Tensai Rabbian Daifunsen, Bouken Roman, Alpha Roid, Iligks Episode One Theseus, Zanac, etc. Eram tantos e que eu achava tão bons que até dói ser injusto em deixar algum de parte nessa lista! :D



Depois dos jogos de certeza que tiveste o interesse em começar a programar e fazer os teus jogos. Como foi esse processo?
Experiências em Basic como habitual, não passaram muito disso - no Brasil também eram comuns aquelas revistas com algum código type-in (Micro Sistemas, MSX-Micro, e revistas de fascículos como Input - acho até que tudo se encontra disponível em sites como datacassette ou archive.org! :D ), e foram o começo - numa escola onde andei haviam ainda TRS-80, um vizinho (e o meu primo que citei acima) também tinham um TRS-80 Color Computer (compatível com o Dragon32/64), um amigo ainda tinha um Apple-II, e etc., e daí fui experimentando diferentes máquinas, e a curiosidade em tentar adaptar o código para um computador que funcionasse em outro surgiu daí também.

O aprofundamento surgiu mais na época do Amiga, quando voltei para cá para Portugal, quase sempre eu só usava Amos (um interpretador de Basic, baseado no Stos (desenvolvido para Atari-ST) ), bem mais do que jogos, programas como Deluxe Paint ou outra coisa qualquer. E anos depois, descobri que havia um software livre bem parecido com Amos, sdlBasic (um projecto que estava quase a ser abandonado pelo desenvolvedor (Roberto Viola) quando encontrei), que permitiu-me ir um bocado mais a fundo. Nesse meio tempo sempre estive naquela curiosidade em tentar fazer algo para MSX, que pudesse ser compilado (mas entretanto eu já havia submetido algo feito em MSX-Basic interpretado para um concurso MSXDev, de 2005 se não me engano o ano), quase até tentei desenvolver algum tipo de compilador (para algo mais simples, como a "linguagem" HotSoupProcessor (parecia algo entre Basic e Assembly, desenvolvido pelo Onitama -já agora, o canal dele no youtube é mesmo excelente, merece mesmo muito ser seguido) ).

Mas por fim, ao submeter algo para o concurso CSSCGC (de ZX-Spectrum), vi que muita gente estava a submeter jogos compilados no Boriel's ZX-Basic Compiler (desenvolvido por Jose Rodriguez). Fui ver o que é e gostei muito, um cross-compiler todo feito em Python, totalmente multiplataforma, permitia criar bibliotecas e inline-assembly (que é uma maravilha), e descobri que também era possível compilar para documentos binários sem ser necessariamente para um .tap ou .tzx, para o endereço de memória que bem entendêssemos. Aí pensei: porque não experimentar isto para outro hardware? No exacto momento vi que o Jim Bagley, outro muito activo na cena retro (actualmente a partilhar videos bem interessantes sobre ZX-Next no youtube), que tinha desenvolvido o Pac Manic Miner Man (um remake do Manic Miner para o hardware arcade Pac Man), e ele deu-me várias dicas sobre como a máquina funcionava, até sobre aquilo do watchdog, que eu não fazia ideia da existência e para que servia. A partir daí surgiram outros hardwares baseados em Z80 (incluindo outras máquinas de arcade, em que a curiosidade era tanta que quando dei por mim já tinha feito experiências para mais de uma centena! :D ), estando o MSX incluido (o qual fui tentando também ver como funcionavam modos de ecrã que eu não conhecia tão bem, como os "screens" 10 a 12, do MSX2+ e Turbo-R, e lá está o sdlBasic que usei bastante para desenvolver conversores de imagem e etc.).

O principal objectivo tem sido fazer experiências para conhecer melhor essas máquinas. Os jogos foram mais um "porque não? já agora..." em que aproveitei para também submeter para outros concursos (como o do SMSPower, para Sega Master System, Game Gear e SG1000), e um MSXDev também (que submeti dois jogos, e aproveitei para também desenvolvê-los para ColecoVision e SG1000 ao mesmo tempo, dada a enorme semelhança entre essas 3 máquinas, e a diferença no código era mínima, quase só endereços de memória e portas i/o).



Não é preciso pesquisar muito para encontrar alguns dos teus jogos. Queres falar um pouco dos jogos ou projectos que já programaste?
Não sei se os de MSX (e restantes de Z80) foram suficientemente "apresentados"... :D - para além deles, à parte da cena retro, experimentei também portar para Python-Pygame coisa ou outra que eu já havia feito para sdlBasic - e mais tarde, aproveitei um desses cursos de formação do IEFP (no Candal, no ano anterior ao começo desta malfadada pandemia) para ter um primeiro contacto com o motor Unity (que nunca atraiu-me assim tanto, mas tinha curiosidade), que no fim só fez-me ficar algo curioso sobre os seus concorrentes livres, como o Godot. O que fiz encontra-se em https://nitrofurano.itch.io/.

Tenho sido um entusiasta do software livre, e tenho participado em alguns projectos - para além de ajudar o desenvolvimento do sdlBasic com alguns exemplos (tipo daqueles exemplos que vinham no Amos, mas algo mais simples, como os que vinham no manual do MSX Gradiente-Expert, a mostrar um exemplo para cada comando), também contribuí com alguns filtros de imagem em Lua para o GrafX2 (que até são distribuidos dentro do pacote oficial, uma honra! :) ), e um plugin ou outro para Inkscape, Scribus e etc. Também contribuí com alguns exemplos para o projecto Shoebot (um fork do Nodebox para a biblioteca livre Cairo, desenvolvido por Ricardo Lafuente e Francesco Fantoni).

E ainda tens vontade de programar para MSX. E mais importante, vontade de fazer algum jogo novo ou reciclar coisas que já tenhas tido desenvolvido? Queria eu tentar ir bem mais longe e mais a fundo, repara que a enorme maioria do que tenho feito não tem som nenhum (embora embeber e tocar um vgm de ay-3-8910 num código desenvolvido no Boriel's ZX-Basic Compiler até pareceu ser bem simples, tenho que aprofundar melhor e ver como funcionaria num jogo), nem nunca experimentei utilizar um sistema de eventos (muito comum em shoot-em-up, do que tenho visto).



Falando agora mais genericamente. Como vês esta "moda" do retrogaming e também dos preços às vezes absurdos de tudo isto? Boa Pergunta. Grupos como os Mojón Twins foram o que mais me tem maravilhado, que para além deles distribuirem o código fonte de tudo que desenvolvem (permitindo até o nosso camarada Jon "Viejo Archivero!" Cortazar (Relevo games) portar alguns desses jogos para MSX), as cópias físicas desses jogos vendem-se como pães quentes.

Talvez a "moda" retrogaming tenha vindo para ficar (mesmo que seja só uma pessoa no mundo a desenvolver e a gostar de conteudos e hardware retro! :D ), por várias razões, uma PS5 de certeza será uma consola retro uma década dessas no futuro, tal como todo hardware agora considerado retro ainda não foi explorado o suficiente, muito longe disso, até mesmo pela demoscene. Desenvolver para hardware retro é sempre um desafio interessante (Pico8 e Tic80 nem sequer teriam surgido se assim não fosse...)

Talvez os preços absurdos tenham a ver com oferta e procura, natural que uma consola Casio PV-1000, ou um computador Bandai RX78, pela raridade, custe até mais que um MSX Turbo-R (os da Panasonic, e aqueles com kits de upgrade talvez ainda mais).

Também vejo as plataformas retro como um excelente meio para começar a se programar um jogo comparado com essas engines mais complexas que se vêem por aí, já que com bem menos tempo e esforço podem se conseguir resultados muitas vezes tão ou bem mais interessantes, e a lógica usada por trás de ambas pode até ser bem parecida. Talvez baste compararmos os poucos meses que eram gastos por equipas pequenas nos anos 80 com as equipas enormes durante anos que tem sido ultimamente nesses jogos chamados "triplo-a" (podemos até citar Hideo Kojima, que tem experiência em ambas, e sabe bem a diferença).

Nesta fase e com este revival, consideras-te um colecionador, um entusiasta, um programador ou um pouco das três?
Infelizmente não tenho conseguido ser um colecionador (e há clássicos e indies recentes que merecem mesmo fazer parte de uma boa coleção), e o (humilde) programador talvez tenha surgido do entusiasmo!

Para terminarmos, fica uma última pergunta. Agora é fácil jogar jogos do MSX se usarmos um emulador, por isso, queria que deixasses tipo 3 sugestões de jogos para os que nunca experimentaram a magia do MSX.
Não sei se precisam ser jogos, o Super Synthesizer do Akio Kitano é bem fixe! :D - Brincadeiras à parte, e sem ser os que já citei acima, e a fugir do "cliché" da Konami (por serem já muito batidos, apesar de serem muito bons sem sombra de dúvidas), eu talvez citaria estes (do que consigo lembrar agora): Indian No Bouken, Rock'N'Bolt e Rally-X.

Entrevista por: Fernando Ferreira

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